Vale a pena Sonhar

Em 2008, instalou-se o caos. A falência bateu à porta e apenas o contributo de empresários locais evitou a descida ao inferno dos escalões regionais. Ainda assim, não houve como fugir a uma redução de 17 pontos - pela segunda época consecutiva - à partida para aquela edição da League Two - equivalente a uma quarta divisão. A manutenção parecia uma miragem mas uma campanha exímia permitiria a permanência na Football League. O pior tinha passado; o melhor aproximava-se. O impensável aconteceu e o clube subia de escalão apenas uma temporada a seguir àquela que poderia ter ditado o seu fim. Não bastava. A fome de conquistas era insaciável e em 2013 o Championship passou a ser uma realidade. A primeira época, contra todas as expetativas, não poderia ter sido mais tranquila. A seguinte? Épica. Volvidos mais ou menos 365 dias, o título de campeão e a possibilidade de pela primeira vez em mais de 110 anos de história pertencer à elite do futebol inglês. Apenas sete anos depois de atingir a bancarrota! Hoje, o céu é o limite. O AFC Bournemouth, ao vencer o Swansea por 3-2, sentenciou - não matematicamente, é certo - a sua permanência na Premier League em ano de estreia. Aquilo que há menos de uma década era um pesadelo, tornou-se num sonho. O sonhador-mor? Eddie Howe, o treinador que conduziu o clube em todo este percurso. O jovem britâncio, um dos melhores "sub-40" do mundo e fã acérrimo de Pep Guardiola, é o grande responsável por esta ascensão meteórica. Apanhou um clube de rastos, e em sete anos, tirou os Cherries do anonimato e transportou-os para a Big Picture do futebol mundial. Com uma forma de jogar igualmente apelativa, de posse, de variadas movimentações ofensivas e que procura evitar ao máximo a possibilidade de remate do adversário, mesmo sem contar com elementos tão renomados que por outros lados se encontram, destaca-se no país. Gradel, regressado após lesão duradoura, fez questão de se dirigir ao técnico ao abrir o marcador no último jogo e por aqui também se nota o enorme companheirismo que Howe estabelece com os seus pupilos. A população desta zona fértil em cerejas - também por aqui, se justifica a alcunha - só pode estar orgulhosa dos seus e os 11.000 lugares do Dean Court - atualmente, Vitality Stadium, produto do marketing - já são diminutos para tanta procura, estando um aumento da capacidade do estádio a ser projetado.

No restante de um fim-de-semana marcado ainda pelos quartos-de-final da Taça, poucas surpresas. Leicester e Tottenham revelaram-se uma vez mais os verdadeiros candidatos ao título e com maior ou menor dificuldade, mostraram-se mais esclarecidos diante dos aflitos Newcastle e Aston Villa. Os homens da frente de Foxes e Spurs voltaram a estar em evidência, e se Okazaki marcou de bicicleta a passe de Vardy, Kane e Alli bisaram nos golos e nas assistências respetivamente. Em Birmingham, as malas da viagem para o Championship estão quase prontas. Por outro lado, o Norwich, também na luta pela sobrevivência, amealhou um sempre importante ponto na receção a um Manchester City que voltou a sentir imensas dificuldades longe do Etihad. Dias depois, o inédito apuramento para os quartos-de-final da Liga dos Campeões viria a ser selado mas, independentemente do sorteio, não são expectáveis as mesmas facilidades na próxima fase da competição. O outro embate da ronda pôs frente a frente Stoke e Southampton, que com um bis de Pellé, outrora candidato a melhor marcador do campeonato, alcançou os três pontos. Nota ainda para Mané, que mesmo sendo o elemento mais cotado dos Saints, vem perdendo espaço na equipa e acabou expulso pela segunda vez na prova.

Já a FA Cup ditou os embates Crystal Palace vs Watford e Everton vs Manchester United/ West Ham para as meias-finais em Wembley. Os Hornets, a grande surpresa dos quartos-de-final, levaram toda a sua solidez defensiva ao Emirates e foram um osso que o Arsenal não conseguiu roer. Quique Flores e a sua equipa formam certamente, juntamente com Leicester, Tottenham, West Ham e Bournemouth, o quinteto maravilha do ano - o Palace, entretanto, caíu a pique. Eagles que apesar da queda abruta na Liga vêm realizando um percurso invejável na Taça e depois de eliminarem Southampton, Stoke e Tottenham, vulgarizaram o Reading num dos campos mais complicados do Championship, no qual o West Brom já havia caído - o resultado só não foi mais gordo porque Al Habsi, guarda-redes dos Royals, fez uma das grandes exibições do ano a nível internacional. O Everton, outro emblema de altos e baixos, alterou ligeiramente a sua postura, oferecendo a bola ao Chelsea e matando a partida em momentos-chave, ao qual muito contribui uma performance excecional de Lukaku. Do outro lado, Diego Costa atingiu o cúmulo da indisciplina e seguiu os passos, ou neste caso as dentadas, de Suárez. Finalmente, Red Devils e Hammers precisam de jogo de desempate após igualdade a uma bola em Old Trafford.

Onze Ideal da Jornada 30 da Premier League: Guzan (Aston Villa); Walker (Tottenham); Huth (Leicester); Klose (Norwich); Daniels (Bournemouth); Kanté (Leicester); Sigurðsson (Swansea); Alli (Tottenham); Gradel (Bournemouth); Kane (Tottenham) e Pellè (Southampton).
MVP: Kane (Tottenham). Poupado na partida da Liga Europa em Dortmund - só jogou no último quarto de hora -, Hurricane voltou em grande no Villa Park e protagonizou com Guzan o duelo mais interessante da tarde. O guarda-redes norte-americano bem tentou evitar mais uma derrota para a sua equipa, mas o ponta-de-lança dos Spurs, que até já é colocado um patamar acima de Bale entre os adeptos, acabou por se superiorizar e marcar os dois golos que deram nova vitória ao maior perseguidor do Leicester na luta pelo título.
Jogador a Seguir: Barrow (Swansea). O primeiro jogador gambiano de sempre a faturar para a Premier League - 95 nacionalidades diferentes já fizeram o gosto ao pé na Liga Inglesa - aproveitou da melhor forma as ausências de Montero e Ayew, os favoritos à posição, foi dos que mais procurou o golo do lado dos Swans, acabando por fazer um. Num ano em que os homens da frente dos galeses estão tão pouco inspirados - mesmo Ayew, não demonstra o impacto das primeiras jornadas -, Barrow pode ter rubricado aqui uma exibição que o lance para outro patamar, nomeadamente, para um lugar regular no onze, ganhando outra preponderância.
Treinador da Jornada: Eddie Howe (Bournemouth)
A Desilusão: Stoke City. Mais uma época tranquila e muito semelhante à anterior para a mais antiga equipa na Premier League; a segunda profissional mais antiga do mundo - inicialmente, sob o nome de Stoke Ramblers. No entanto, esperava-se o "salto". No verão chegaram à cidade nomes importantes - Shaqiri, ex-Bayern, foi o maior de todos -, aos quais se juntou Imbula recentemente, e com isso antevia-se uma aproximação aos lugares cimeiros, e numa temporada tão atípica, uma luta declarada pelos lugares europeus, quiça a espreitar o Top 4. E capacidade existe. As receções a Leicester, Arsenal, City e United dão indicações disso mas o 80 parece estar colado ao 8, com a tão almejada consistência a não existir. Tão facilmente os Potters fazem uma grande exibição como mostram-se displicentes e perdulários. Somaram 10 pontos em 12 possíveis antes de receber o Southampton mas repetiram os mesmos erros e cederam em casa num jogo em que teoricamente tinham a obrigação de vencer.
Menção Honrosa: Rafael Benítez. Por muito que se possa apontar o dedo ao técnico, aceitar este desafio poucos meses depois de abraçar um projeto num dos três principais clubes do mundo transparece enorme humildade da sua parte. Não há como não fazer um paralelismo com o passo atrás dado também por Paulo Fonseca, cá em Portugal, e que serviu para restabelecer o seu estatuto. E a verdade é que se garantir a manutenção - o plantel à disposição é de longe o que mais garantias oferece de entre os clubes que lutam por este objetivo - limpa em certa medida a má imagem deixada em Madrid. O primeiro encontro foi na casa do líder e saíu derrotado. Houve maior discernimento e vontade em ter a bola, mas o momento da decisão tem que ser ainda muito trabalhado. No próximo domingo, no derby de Tyne and Wear - um dos mais intensos do país, ante o Sunderland -, só a vitória interessa em mais um capítulo de uma rivalidade que ganha o ingrediente extra da luta pela permanência nesta temporada.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Marco Rodrigues

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