Dinastia Aveiro: Cristiano Ronaldo I, Cristiano Ronaldo II

2006/2007- Atitude confiante. Rosto fechado, desafiando o Mundo. Gestos teatrais. Dominante. Irritante. Uma qualidade imensa. E ele sabe disso. Uma fome de vencer lendária. A bola ri quando toca no pé de veludo. A bola a gargalhar e mais um adversário no chão. Movimentos ligeiros, ágeis, serpenteantes. E a bola ainda por perto, tão obediente! Pega no jogo "pelas orelhas! Que jogada maravilhosa, pena que a ultima decisão nao tenha sido a melhor. Falhará a Bola de Ouro, mas todos percebem que os próximos anos serão dele.

2014/2015- Atitude confiante. Rosto fechado desafiando o Mundo. Gestos teatrais. Dominante. Irritante. Uma qualidade imensa. E ele sabe disso. Uma fome de vencer lendária. A bola, pobrezinha, chora quando toca no pé metálico. A bola, desgraçada, em prantos quando Cristiano vai ao chão ao tentar dominá-la. Movimentos robóticos, musculados, rectilíneos. E a bola pela linha lateral, tão rebelde! Ele está a jogar? Olha, um toque, golo, olha...outro golo. Falhará a Bola de Ouro e todos percebem que os melhores anos já lá vão, mas que a máquina continuará com uma produtividade que nunca mais acaba.

Falar de Cristiano Ronaldo, é falar da maior transformação de um jogador de futebol a que o Mundo já assistiu. E falar também do único que apesar da metamorfose, consegue ser um dos melhores de sempre, no antes e no depois.

Mas o Mundo do futebol tem sido muito injusto com ele! Oh se tem! Mais odiado que amado. Em todas as análises, factores extra-futebol pesam muito. E depois há Messi. E como em todos os bons enredos, tudo se polariza. O Bem e o Mal. O Herói e o Vilão. E nesta visão maniqueista esquecemos o essencial: estamos perante 2 monstros. Provavelmente, os melhores que já jogaram este jogo. E eu ainda vi Maradona, mas não deixo que a nostalgia da minha infância me tolde a realidade. Quantas épocas ao mais alto nível fez Maradona? Incomparável! Sem Mexico 86, Maradona seria "apenas" mais um grande. Genial, o mais genial sem dúvida, mas não o melhor jogador. Só teremos noção da verdadeira dimensão destes dois daqui a uns 20 anos.

Hoje olho Cristiano e já não o reconheço. Mas ouço tantas barbaridades contra ele...que é apenas fruto do trabalho, que sempre foi um jogador vulgar fora da área, que só sabe marcar golos. A memória é curta, mas eu nao esqueço. Rapazes, o Cristiano há 10 anos era todo ele TALENTO. Todo ele habilidade, com uma relação apaixonada com a bola. Em 2006/2007, Ronaldo SEM GOLOS já era o principal favorito à Bola de Ouro, antes do jogo da vida de Kaká em Old Trafford. E ainda nesse ano veio um golo Maradoniano do pequeno génio decalcado do Pibe, que arrumou Cristiano para o 3.º lugar...injusto, digo eu.

Quando hoje falam dele, como se de um Gerd Muller ou Jardel se tratasse, todos esquecem que os golos passaram a ser tão valorizados, apenas e só como um parâmetro mais objectivo para distinguir estes dois titãs. É uma competição à parte. Os dois, sem golos, já eram os melhores há 10 anos. De longe! E quando eles arrumarem as botas, os golos serão novamente menos valorizados, como em tempos de Zidane e Figo. Mas foi precisamente esta obsessão pelo golo que destruiu o casamento de Cristiano com a bola. Como uma amante, insaciável e irresistível que o manipula como quer.

Alguém o orientou para isso. E ele acreditou. Acreditou que com números teria mais possibilidades de vencer o seu rival. Como te enganaram Cristiano! Não esquecer que para perdurar, há que perturbar, há que provocar comoção! A memória emocional é sempre mais duradoura, mais intensa. Quem desperta mais simpatia nos adeptos? George Best ou Bobby Charlton? Maradona ou Van Basten? É a capacidade de nos surpreender, de nos fazer sonhar, que nos conquista definitivamente. E tu perdeste isso. Infelizmente perdeste. Em nome do Golo, louvado seja, no satânico altar que lhe dedicaste! Daqui a 20 anos poucos valorizarão quantos Pichichis cada um de vocês conseguiu (mesmo que a imprensa viciada em estatística o vá lembrando com insistência), mas certamente que ainda muito se falará na queda caricata de Boateng. Entras nos livros de recordes, mas não entras no coração dos adeptos! E esse é afinal o lugar mais importante do Mundo do Futebol. O que aconteceu ao drible? Onde está a magia? E não, não me digas que os trintas são os responsáveis. O processo começou há muito tempo...mas sabes que o que ficará para a história é a imagem robotizada dos teus últimos anos certo, Robotnaldo?

Mas confesso. Sou e sempre serei um defensor encarniçado de Ronaldo. Agora é moda e passível de ridicularização qualquer sentimento patriótico-futebolístico. Mas não passa disso...de uma moda. Está tudo correcto se amarmos incondicionalmente o nosso clube, mas é coisa do passado amarmos Portugal. Se racionalizarmos tudo, no fundo nem uma coisa nem outra fazem sentido. Mas é o lado irracional da paixão futebolística que suporta este desporto! E esta modinha de onde vem? Talvez porque muitos já esqueceram como Portugal e os portugueses eram invisíveis no Futebol de outras eras. E estão agora mal habituados. Mas eu cresci absorvendo com emoção, qualquer elogio a Futre. Qualquer noticia a engrandecer o nosso ratinho atómico do Calcio, Rui Barros. E foi com muita satisfação que assisti ao surgir do enorme Cristiano Ronaldo. Lá quero saber se o rapaz tem uma personalidade insuportável. Quero saber sim, da sua qualidade em campo. Um português com reais possibilidades de passar à História como o melhor de sempre. E poderia ter acontecido, se...se não existisse Messi!

Ao não existir, Cristiano não perseguiria tanto o golo. Seria rei absoluto durante uma década (pensem nisso, uma década!) e estaria mais descontraído para proporcionar também entretenimento. Os números não seriam tão impressionantes, é um facto, mas seria um mal menor. Assim, toda a sua carreira foi condicionada. E a frustração visível em cada acção, cada vez mais azedo, dentro e fora de campo. Como um Salieri a perseguir Mozart, mas reconhecendo no seu intimo, que jamais o alcançará. Ainda assim, Cristiano está muito mais próximo de Messi, do que muitos nos querem fazer crer. Poderia agora dizer, que deveríamos era desfrutar dos dois, enquanto duram, porque não vamos assistir novamente a semelhantes fenómenos a co-existir numa mesma era. Mas...o drama, o drama... é que eu próprio não consigo apreciar devidamente Messi. Maldito. Já vos falei do numero de golos que Ronaldo alcançou nos últimos 6 anos? Quero ver quem acabará a carreira com mais pichichis! E o recorde de golos da Champions, de quem é? Ah pois! Golo! Mais um penalty, toma! Elas contam é lá dentro!

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): João Santos

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