Os jogadores em vias de extinção

O futebol evolui, e com essa evolução aparecem novos esquemas tácticos, novas dinâmicas. Uma consequência da evolução é a extinção de algumas espécies, que não se adaptam aos novos sistemas, e por isso são eliminados pela selecção natural. No futebol, isso significa o desaparecimento de certo tipo de jogadores que, pelas suas características físicas ou tácticas, se tornam inúteis, ou simplesmente ultrapassados. Seguem-se alguns espécimes que raramente ou nunca são avistados nos relvados hoje em dia.

o Baixote
Uma defesa normalmente era constituída por centrais latagões (embora normalmente um fosse mais possante e outro mais rápido) e por laterais que primassem pela velocidade, de modo a que pudessem acompanhar os alas adversários e ainda apoiar o ataque pela linha. Era irrelevante a estatura do lateral, e não era anormal a posição pertencer a um jogador de baixa estatura. A certa altura foi-se pedindo mais à posição, nomeadamente que fechasse a zona central, sendo que para tal é exigido um jogo de cabeça mais eficaz e um maior poder de choque. Assistiu-se ao fenómeno da adaptação de centrais à posição (em especial aqueles que fossem mais rápidos), alguns médios mais possantes foram descendo no terreno, mas hoje, mesmo um lateral de raíz tem forçosamente de ter uma estampa física considerável.

o Carraça
Havia jogadores cuja especialidade era a marcação individual. Tipicamente centrais ou trincos, colavam-se ao adversário directo, e não o largavam, fosse aquele para onde fosse. Alguns deles, não sendo escolhas regulares, apareciam em jogos especiais, com o único intuito de secar o melhor jogador da outra equipa. Nos dias de hoje, em que a ocupação do espaço defensivo e ofensivo é uma prioridade, nenhum treinador se dá ao luxo de abdicar de um elemento e "jogar com dez". Normalmente as marcações são feitas ao jogador que cai no espaço que o defesa ocupa, sendo raro o acompanhamento da sombra a todo o campo.

o Comboio
Uma das armas dos extremos modernos é a diagonal, que permite entrar na zona de remate (daí muitos extremos jogarem do lado oposto ao melhor pé), ou abrir espaço para a entrada do lateral no apoio. Mas havia um tipo de jogador para o qual a única linha que existia era paralela à lateral, ao longo da qual carrilava o seu jogo. Estes jogadores, basicamente corriam a direito, e iam à linha centrar para dentro da área. Não ocupavam zonas interiores, quer a defender quer a atacar, não entravam pelo centro, e jogavam quase sempre bem abertos.

o Maestro
O chamado número 10 é espécie rara, sendo substituído pelo médio de ataque. O chamado maestro, por quem todo o jogo ofensivo passava, tinha o mérito de romper as linhas defensivas adversárias, em drible ou em passes a rasgar. O número na camisola era sinónimo de criativo, de jogador que inventava espaço onde aquele não existia. Com menos funções defensivas, podia desgastar-se menos a pressionar, pois ele estava lá era para gerir o processo de ataque. A extinção deste tipo de jogador pode estar relacionada com o facto de existir menos espaço (e portanto, haver mais contacto físico) e de as defesas serem mais pressionantes e agressivas , ou então com se exigir mais trabalho defensivo ao terceiro médio, o que obriga a que este seja mais brigão e menos artista.

o Paradinho
Um verdadeiro dodô do futebol, não tem lugar num estilo de jogo em que a movimentação, com e sem bola, é uma característica obrigatória. Normalmente estes jogadores, lentos e sem capacidade de aceleração, jogavam na zona central, onde faziam distribuição de jogo para as linhas ou frente de ataque. Eram jogadores com um raio de accção reduzido, que poucas vezes progrediam com a bola, fazendo-a antes circular a um ou dois toques. Defensivamente, eram praticamente inócuos, pois não conseguiam acompanhar o portador da bola. Ainda que fossem donos de excelente capacidade de leitura e passe, estes jogadores (que não procuravam a bola, mas antes esperavam por ela) foram sendo substituídos por aqueles que procuram o espaço, e se dão mais ao jogo.

o Vagabundo
Imaginem um jogador que anda por onde lhe apetece, sem amarras de qualquer tipo. Esqueçam o rigor táctico, as posições, os quadros com os "X", "Y" e setinhas. O Vagabundo, passe o pleonasmo, vagabundeava pelo campo ao sabor do vento, ocupando diversas zonas do terreno. O problema é que estas movimentações eram quase que aleatórias, e como tal, não podiam ser compensadas pelos colegas. Se ofensivamente, podiam criar desequilíbrios, quando a bola era perdida o desposicionamento e falta de compensação criava autênticos buracos que facilmente eram aproveitados. No futebol moderno, são poucos os treinadores que suportam um seu subordinado que ande em campo sem se importar com as restrições impostas pelo dispositivo táctico.

Evolução natural? Ainda há espaço no futebol actual, mais rápido e físico, para os jogados franzinos? Os espartilhos de hoje permitiriam a ascenção de jogadores como Rivaldo (já na altura criticado por Van Gaal) e Romário? Estando muito do fascínio pelo futebol relacionado com o facto de estar ao alcance de qualquer um, não obstante a sua constituição física, a dificuldade de jogadores menos fortes se imporem pode matar a paixão pelo jogo? Que jogadores conheceu ou conhece que se enquadrem nestas descrições?

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Nuno Ranito

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