«Muitas vezes no final nem sabem quanto ficou o resultado, só querem é ter a bola e marcar golos»

Os frutos que vamos colhendo são o resultado de produções passadas. Confundir o estado actual do nosso Futebol com o modo de trabalhar nas camadas jovens em Portugal é um enorme erro e bastante intuitivo, por sinal. Os jogadores que hoje temos, ou que vêm surgindo, são o reflexo do esforço e do modus operandi instalado nas décadas de 90 e 2000. Pelo contrário, os atletas que nos brindarem na próxima década não serão nada mais, nada menos, do que o produto da nova forma de pensar.

Enquanto nos satisfazemos com a nova geração que é consubstanciada nos sub-21, negligenciamos por completo o que se passa no futebol de formação. Para contextualizar o leitor, nada melhor que uma breve descrição do panorama genérico a que se assistimos:

Em primeiro lugar, houve uma alteração drástica nos hábitos futebolísticos em Portugal. O tão célebre " futebol de rua" chegou ao fim. Os horários ocupados e desenfreados dos Pais, aliados à nova vaga de tecnologias, afastaram das ruas as nossas crianças. Este fenómeno, ao qual nos temos de adaptar, vem atrasar o processo de crescimento técnico dos jovens - indubitavelmente aliado ao menor contacto com a bola- e, por conseguinte, condicionar a vertente mais importante do jogo.

Para além disso, surge uma tendência demográfica à qual os organismos futebolísticos são evidentemente alheios. O decréscimo no ritmo de crescimento populacional a que assistimos e que se agravará com naturalidade, só vem obstar ao desenvolvimento do futebol em Portugal. Se é certo que quantidade não é sinónimo de qualidade, uma maior restrição no leque de recrutamento só vem deteriorar o grau de competitividade no nosso futebol.

Por último, e não menos importante, a incapacidade generalizada dos treinadores na formação em Portugal em assumirem um papel de menor relevo no treino. Parece estranho, não parece?

A situação mais fácil de contrariar será, porventura, a apresentada no último ponto. A nossa opinião segue a de Horst Wein, reconhecido formador Alemão, em que se dá uma maior liberdade aos jovens. «Com mais jogadores, as crianças jogam menos e marcam menos», apontou o formador, sublinhando que na rua os jovens não jogam para ganhar mas para marcar, o que ajuda a desenvolver o seu potencial. «Muitas vezes no final nem sabem quanto ficou o resultado, só querem é ter a bola e marcar golos». Se o tempo dedicado ao jogo é cada vez menor, por que motivo o vamos restringir ainda mais? Que sentido fazem as filas de 4 ou 5 jogadores, onde os momentos de descontracção e concentração competitiva são menores, para realizar um exercício? O melhor exercício não será o jogo? "Sou bom porque aprendi a jogar no meio da rua... tinha de usar as paredes que me ajudavam a fazer tabelas." - afirmou Rooney. É óbvio que não vamos trazer a rua para a academia, mas podemos recriar perfeitamente essa situação. A forma mais pedagógica de ensinar um jogador é....deixá-lo aprender. Na maior parte das vezes, a tentativa e erro urge como o fenómeno mais célere de aprendizagem. O treinador é importantíssimo por todos os conhecimentos que poderá transmitir. Mas se fizer mal as coisas, será mais interessante juntar as crianças e deixá-las organizar a sua própria actividade. Verá que se vão dividir por duas equipas e jogando vão descobrir o caminho.

Trazer a rua para as escolas de futebol, alterar os quadros competitivos, melhorar a relação entre desporto escolar e o futebol e consciencializar os treinadores de formação parecem ser pontos indispensáveis na melhoria do nosso futebol. E, porque não, interiorizar o que de melhor se faz nas escolas emergentes? Foi exactamente isso que, quer os Alemães, quer os Ingleses fizeram para agilizar as suas estruturas. O caso dos Alemães, pós euro-2000, é sobejamente citado. E bem.

No nosso caso, não seria ingrato conhecer o modelo de desenvolvimento futebolístico aplicado nos Países Baixos e, em particular, na Bélgica. De 2004 para cá, aplicaram exactamente o defendido acima.

Maior liberdade para o atleta, maior contacto com a bola, mais tempo de jogo e maior enfoque na criatividade. Deixaram de lado as mesquinhices tácticas e a predominância pelo físico. Encher crianças com complexos sistemas tácticos e com demasiadas obrigações em campo só vem interferir naquilo que é o seu prazer pelo jogo. Nesta nova forma de pensar, o treinador assume um papel passivo, sendo apenas útil em ajustes pontuais quando o atleta não interioriza por si o que o jogo pede. As gritarias para dentro do campo, os castigos por não soltar a bola rápido, os afastamentos da equipa por os centrais não jogarem fácil, são deixados para trás. É óbvio que este processo que descrevemos é maioritariamente aplicado até os sub13/sub14, uma vez que, ultrapassado este período, o conhecimento táctico começa a ser uma característica essencial no jogo.

Não é tarefa fácil alterar o paradigma de pensamento que vigora na cabeça de 95% dos formadores em Portugal, tal como não foi em Inglaterra. Esse obstáculo foi contrariado recentemente pela Federação Inglesa de Futebol que aboliu qualquer sistema classificativo ou competição até aos sub-12, facto que, como seria de esperar, levou os treinadores a uma menor obstinação por ganhar que condicionava o desenvolvimento do talento dos atletas.

Scouting: João Magalhães e Rui Valente

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