Credibilidade

Já faltava uma boa polémica no futebol português. Numa jornada em que os três grandes aviaram os seus adversários sem grande dificuldade, havia que arranjar motivo de debate, e claro, os nossos agentes desportivos nunca deixam os seus clientes de mãos a abanar. Claro que o caso da semana foi a estranha decisão técnica do treinador do Belenenses, que deixou de fora dois dos mais influentes jogadores da sua equipa. Este caso não é virgem, sendo uma repetição do ano transacto, com os mesmo intervenientes (à excepção de Lito, pois os azuis do Restelo eram então comandados por Marco Paulo). Só que o ano passado, o caso passou um pouco despercebido, sempre houve quem chamasse a atenção para a estranha ausência de Miguel Rosa (Deyverson também descansou nesse dia, mas na altura estava longe de ser um indiscutível), mas a ventania que empurrava o Benfica para o 33º abafou os choros dos calimeros do costume. Ora este ano assistiu-se a uma espécie de ataque preventivo, pois dias antes do jogo acontecer, já a situação era exposta em manchetes de Desportivos. Pensaram alguns que tal acto iria inibir os envolvidos de repetir a façanha, mas afinal, vergonha é coisa que não assiste ao Lusitano, e os atletas acabaram mesmo por ser afastados, sem que nada indicasse razões físicas ou sequer técnicas para tal. Para lá da legalidade que envolve a questão, não deixa de ser triste ver dois emblemas históricos envolvidos num cambalacho de todo o tamanho. O Benfica, certamente que não precisa destes esquemas para afirmar a sua superioridade perante o rival lisboeta, e o Belenenses, ao aceitar um chamado "acordo de cavalheiros" nestes moldes, coloca-se numa posição de subalternidade que deveria envergonhar os seus adeptos. Não menos patético foi o papel dos treinadores: um fingiu que nada se passava, e que o seu colega de profissão tinha livre-trânsito para tomar as suas opções; o outro lá foi envergonhadamente explicar que se faz o que se pode com o que se tem, e nada mais que isso, pois a vida está difícil para todos, e o mercado de trabalho não está para brincadeiras. Claro que para uns o que se passou foi perfeitamente natural, para outros o campeonato estará ferido de ilegalidade, uns trazem à liça casos que fazem jurisprudência nestas histórias de empréstimos e jogadores "apalavrados", outros defendem a legalidade de contratos verbais. Parece claro, no entanto, que a Liga deveria no mínimo investigar o que se passou, pois é estranho que um clube, tendo vendido, oferecido, ou alugado um atleta a outro emblema, mantenha a capacidade de vetar a sua utilização. Mas como sabemos, a Direcção da Liga tem mais com que se preocupar, estando neste momento empenhada em arranjar patrocinadores (deve haver centenas de empresas dispostas a dar a sua imagem a uma prova em que acontecem casos destes) e em resolver a questão dos direitos televisivos. Ou seja, nada se passará. E se calhar, com razão, pois ambas as partes saem a ganhar com o negócio, e citando o Outro, nem há dolo perante terceiros, por isso o melhor será deixar andar. Por outro lado, os mais indignados gritarão que é imperativo limpar e moralizar o futebol português. Pois, é aqui que divergimos... o que precisa de ser limpo e moralizado é a sociedade portuguesa. O futebol não é estanque, é apenas um subsistema de uma sociedade corrupta, que vive do amiguismo, do favorecimento, e de negócios por baixo da mesa. O modo como nós, enquanto cidadãos, vemos este tipo de esquemas é em si mesmo um incentivo para os mesmos. A aceitação passiva da falta de transparência é parte do motivo porque chegámos onde chegámos enquanto país: falidos, apesar dos milhões que entraram via Europa, e completamente desprovidos de confiança nas classes política e judicial, que diga-se de passagem, pouco fazer por merecê-la. Um país que vê bancos ruírem após anos de gestões rigorosas que afinal eram um embuste, que vê as suas empresas serem vendidas ao desbarato, que vê a sua classe política saltar do Parlamento para empresas privadas, e vice-versa, sendo que pelo meio lá vão fazendo pela vidinha, em detrimento daquilo para que foram eleitos pelos seus pares. No dia em que nós, enquanto sociedade, condenarmos estes comportamentos, exigirmos que todos os agentes cumpram normas éticas e legais, e as respectivas instituições cumprirem os deveres que lhes são instituídos, podem crer que casos como o deste fim de semana deixarão de acontecer.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar no VM aqui!): Nuno Ranito 

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