Os pés do Quaresma

Há pessoas que nascem com um dom, Ricardo Quaresma é claramente uma delas. O que ele é capaz de fazer com a bola nos pés é assombroso, de um simples caminhar pelo flanco faz uma obra de arte, de um cruzamento inventa uma “letra” capaz de levar ao desespero os laterais e centrais e, ainda, faz golos inimagináveis.

Quaresma é um dos melhores executantes que o futebol pode encontrar, porém aos 30 anos ainda não domina minimamente o que é o jogo colectivo. Ele a qualquer momento decide uma partida, conforme o poderia ter feito em Alvalade, mas sente-se dependente desses momentos de decisão. A adrenalina que ele encontra na definição das jogadas, seja com o remate fenomenal ou com a assistência que permite o golo de encostar, liberta-o pouco para o jogo colectivo. Nesta segunda passagem pelos dragões, está um jogador mais voluntarioso, mas a isso não aliou a capacidade de envolver mais os companheiros no último terço do terreno. É refém da sua qualidade, acreditando que a melhor forma que tem de resolver é estar em todos os lances com a bola nos pés, a definir a jogada.

Infelizmente para o Mustang, ao contrário do que aconteceu com Ronaldo, a genialidade individual não é suficiente para se atingir o patamar máximo, conforme comprovou em Milão e Londres, excluindo o Barcelona pela tenra idade com que lá passou. A escolha não pode ser invariavelmente a jogada individual, pois esse tipo de estratégia tende a decidir jogos, não campeonatos, o que complica a vida de um jogador deste género, que não vá crescendo da base colectiva. Nesta fase, Quaresma é, a par de Fernando, o jogador que mais elogios recolhe no Porto. E isso é merecido pela forma como decide jogos, mas também não prejudicará em outros momentos? O Porto apresenta dificuldades em controlar os encontros, pela incapacidade de ter a bola controlada, em posse, e é legítimo perguntar se isso também não será fruto do demasiado sentido de baliza do Quaresma, com base nos tais rasgos de genialidade. É um jogador que, pelas suas características e dificuldades de optar pelo colectivo, é o antípoda do futebol em posse. Ou seja, a qualidade individual soberba também pode ser um problema para a equipa, em jogadores como Quaresma, que não compreendem que uma fuga da linha para o meio, deixando a bola à mercê do médio para prosseguir a jogada e pautar os ritmos, também pode ser uma forma de brilhantismo, que eleva a equipa.

Em ano de Mundial, esta sua segunda passagem pelo Porto tem tudo para potenciar um regresso à selecção. Quaresma é sempre um jogado convocável, mais ainda pela ‘inexistência’ de Nani, mas será jogador para jogar de início? Numa selecção onde Cristiano Ronaldo compreendeu melhor o sentido colectivo e cada vez se destaca mais por isso, a procura de baliza constante de Quaresma não será um prejuízo para a equipa e, consequentemente, para Ronaldo? A opção de Varela para jogar de início, em detrimento de Quaresma, quando a figura de proa do Porto é Quaresma, não criará altercações de balneário? Não sendo possível pedir a Ronaldo para jogar em constantes apoios à defesa, será Quaresma o jogador que se irá dispor essas tarefas? São tudo questões que Paulo Bento terá que ponderar, antes de fazer a convocatória que para todos parece óbvia. É que há sempre equipa acima do jogador, e quando os geniais percebem isso, ainda mais geniais se tornam.

Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar no VM aqui!): Ricardo Alves Lopes

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